quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A máscara

Para alegrar um pouco as crianças abandonadas, frutos de amores desfeitos, da irresponsabilidade e da pobreza do espírito humano, minha sobrinha teve a feliz idéia de contratar um conjunto, desses que incentivam, nas casas burguesas, aniversários infantis.

Numa tarde de domingo o levou a um orfanato.

Entre guloseimas e refrigerantes, que saboreavam ávidamente, as crianças assistiam, alegres, as peripécias inventadas pelo conjunto para fazê-las feliz e dar-lhes, assim, um pouco do que estavam carentes: afeto, carinho, amor.

Em dado momento, um dos integrantes do conjunto, retornou ao palco improvisado num canto do salão, vestido como se fora um macaco. Os menorzinhos se encolheram amedrontados e mostraram medo diante do animador travestido de animal e queriam fugir dali. Então alguns, os mais velhos e experientes, explicaram que não era preciso ter medo pois não passava de uma representação.

Dentro do macaco estava um homem. Mas notava-se a precaução, a desconfiança porque não viam, na sua inocência, o palhaço por dentro da roupa, mas o macaco por fora dela.

Num átimo, ocorreu-me então considerar que sucede conosco, encarnados, exatamente o contrário.

Vieram-me à mente os versos conhecidos do poeta: "Se se pudesse ver através da mascara da face"...

De fato, nunca vemos as pessoas como são na realidade -- mas o que aparentam; o que, no palco da vida, representam ser.

Inúmeras vezes o ser humano, por fora, encobre um perigoso animal no seu interior. Se o víssemos como ele realmente é, fugiríamos apavorados, como as crianças diante do palhaço travestido de macaco.

Muitos dos que se ocultam num corpo humano, que vestem roupa de gente, são piores do que os animais, do que tigres, onças, macacos.

Os pais daquelas crianças abandonadas neste mundo tão hostil, o que seriam? Os animais não abandonam suas crias ao "Deus dará" como eles fizeram.

Quantas pessoas, na ingênua sinceridade como a daquelas crianças, são presas fáceis de espertalhões. Acreditam como verdadeiras, inúmeras vezes, as máscaras humanas que os cercam na vida diária: no politico, rodeado de acólitos, todo veemência a apregoar sua total honestidade no trato das coisas publicas; no patrão, com ar compungido, a negar aumento salarial sob alegação de que os negócios andam mal; no médico, com ar apreensivo, a assegurar que a operação é urgentíssima e inadiável; no vendedor, convicto, a afirmar, de pés juntos, que o seu produto é o melhor e mais barato. Todos parecendo, não sendo. Ninguém desejando se mostrar como é de fato. Grande palco a vida. Quantos artistas !

Abram bem os olhos, porém, os que agem assim, porque ao fechá-los, ao cruzar as fronteiras do túmulo, outro mundo encontrarão, no qual o que vale é o ser, não o parecer. Mundo autêntico esse do espírito, onde ficarão à mostra, visíveis, porque impressas no períspirito, todas as mazelas que se ocultam na vida através da máscara da face.


Por isso nos recomenda Kardec, no Livro dos Espíritos: "…dome as paixões animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme , nem orgulho, não se deixe dominar pelo egoísmo, purifique-se nutrindo bons sentimentos, pratique o bem, não ligue às coisas deste mundo a importância que não merecem", para não se tornar motivo de piedade quando for visto através da máscara da face.

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